A Informação Passada a Limpo

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Crônica - 33 anos sem Quintino, o Gatilheiro

Artigo publicado no site Viseu Notícias

Neste ano de 2018 completou-se 33 anos sem Quintino da Silva Lira, o "Gatilheiro". E para relembrar esse que é considerado uma lenda, vamos relembrar um pouco sua história nessa crônica de Arlindo Matos, escrita em setembro de 1997 para o jornal “Informativo Popular” de Capitão Poço, e que devido o grande sucesso foi repetida no jornal “Folha do Gurupi”, de Viseu.

Na carteira de identidade apresentada na justiça, constava o nome Armando Oliveira da Silva, mas era mesmo conhecido por Quintino, talvez seu verdadeiro nome, que completo seria Quintino da Silva Lira, que se auto-intitulou o “Gatilheiro”.

A saga de Quintino é digna de roteiro de cinema e jamais poderia deixar de ser citada e até merecer um capítulo especial na memória de um dos diversos municípios do nordeste paraense, onde reinou nas selvas desde 1981 até ser morto pela polícia militar do estado Pará, na data de 04/01/1985.

Teria ele nascido no município de Bragança, sendo filho de Domingos da Silva Lira e de dona Raimunda da Silva Lira, vivido a infância na localidade Jussaral, em Viseu e dentro ainda desse Município, passou pelas localidades de São José do Piriá e Baixinhos, às margens do rio Gurupi, onde se separou de sua primeira mulher e prima de nome Helena, com quem deixou três filhos, um menino e duas meninas. Em seguida Quintino mudou-se para Primavera, depois tendo uma breve passagem pela localidade do Pitoró, onde trabalhou por um tempo como empreiteiro de juquira de um fazendeiro conhecido como Carlos Dias, e finalmente fixou morada na localidade de “Pau-de-Remo”, ambas as vilas pertencentes ao município de Bragança na época, atualmente município de Santa Luzia do Pará, local onde iniciou sua carreira de “justiceiro” marcando suas trilhas em densa mata, com um rastro de sangue que só acabou quando tombou morto a oito quilômetros da Vila Nova Piquiá, solo de Viseu, com um único tiro mortal no peito, em cima do coração, supostamente de fuzil.

Do personagem que viveu ao lado de seu bando, inicialmente composto por “Coruja”, “Mão de Sola”, “Portinho” [este assassinado pela polícia na vila do Pitoró, em outubro de 1984, na sede da fazenda de Carlos Dias] e “Cabralzinho” e que chegou a ter sob seu comando mais de quarenta homens, e se fosse preciso, segundo o próprio, reuniria até trezentos simpatizantes pela sua causa, podemos dizer que lembrava um pouco “Lampião” e seu cangaço pela postura exibicionista e armamento à base de rifles 44, cartucheiras e revólveres de diversos calibres. Era vaidoso em seu visual, cuidando bem do bigode e unhas, vestindo-se de acordo com a ocasião, camisas de tecido com botões e botas de vaqueiros ou camisetas esportivas de algodão com calças jeans e sandálias havaianas, sempre com um inseparável chapéu de massa escuro com abas e cordão que às vezes prendia ao queixo.

Quintino que entre outras ousadias chegou até a demarcar e distribuir terras para os colonos, que eram medidas pelo topógrafo do bando chamado Silvestre, morto em Capitão Poço, perdeu também sua companheira de nome Maria Antonia da Silva e outros comparsas em vários confrontos com a polícia, sendo “Cabralzinho” o primeiro a tombar morto no início dos conflitos. Da primeira formação de seu bando, “Mão de Sola” ainda estava com ele no final e “Bodão”, que entrou depois era outro de sua confiança que sempre lhe acompanhava nos momentos difíceis.

Quintino matou ou mandou matar muitos, principalmente fazendeiros e policiais em missões. Sempre gabava-se que tinha melhor índole que o lendário “Lampião”, pois jamais matava criança ou colono: “só mato gente rica”, sentenciava.

No dia de sua morte, estava desacompanhado de seus capangas tomando um mingau na casa de seu Florismar, velho amigo que era conhecido na Vila Nova Piquiá, por seu “Flor”. “Mão de Sola” e “Bodão” ficaram na vila. Ainda faltavam alguns minutos para as dezenove horas daquela noite chuvosa de 04/01/1985, quando avisado por um policial que já estava no interior da casa de que estava cercado pela polícia, em ato-contínuo teria se levantado do tamborete em que se encontrava sentado, pegado seu revólver em cima de um guarda-roupas que estava atrás de si na cozinha e dito suas últimas palavras aos amigos da casa: “não sai ninguém, que eu vou morrer sozinho”. Saiu pela porta dos fundos e então se ouviu mais de duzentos tiros por aproximadamente cinco minutos. Só um o atingiu, aquele tiro, supostamente de fuzil, que explodiu seu coração.

Quintino virou mito e em crônica contaremos agora o resumo de seu reinado de “Gatilheiro”:

Quintino da Silva Lira ou Armando Oliveira da Silva eram o mesmo homem e até o início dos anos 1980 não passava de um simples agricultor na localidade de Pau-de-Remo, então município de Bragança, atualmente pertencente a Santa Luzia do Pará. Porém, a situação imposta pelos sistemas de governo apresentadas no Brasil, com injustiças sociais aflorando por toda parte, fez aquele pacato colono tornar-se um dos mais temidos fora-da-lei do norte do país de todos os tempos.

As injustiças na distribuição de terras geraram conflitos ao ponto de Quintino perder companheiros de forma covarde, motivando-o a arregaçar as mangas e tomar uma brava atitude de liderar um grupo de colonos rebelados contra o injusto sistema, indo literalmente a luta com armas nas mãos.

Quintino que foi comparado à Robin Hood, Zumbi, Antonio Conselheiro e Lampião desta nova era, quis evitar tais comparações, se auto-intitulando de Gatilheiro, uma nova expressão para um novo herói do campo.

Ele na verdade teria matado, revidado, roubado e chantageado, porém não como sua fama mostrou. Sempre houve exageros, e também é verdade que se criou o mito de que ele teria parte com o diabo, usando técnicas que lhe permitiam desaparecer aos olhos de seus perseguidores, como se transformando num toco, cão ou outro animal qualquer. Na verdade, Quintino não virava nada e sim sabia se virar nas adversidades com muita sabedoria, mostrando-se um excelente líder estrategista. Era muito bem informado de todos os passos da polícia e de qualquer outro perseguidor.

O que ele fez podia até não estar certo, porém mesmo inconscientemente, Quintino conseguiu coisas que nossos governos e nossa justiça nunca ousariam solucionar, como por exemplo, a reforma agrária.

Mesmo procurado nos quatro cantos pelas tropas do coronel PM Cleto, comandante das tropas na região, que se embrenharam nas matas tendo a frente o capitão PM Cordovil, época em que era governador do estado do Pará, Jader Fontenelle Barbalho, Quintino desapropriou terras, assentou sem-terras, resolveu conflitos como se fora um Juiz de Paz e até casamentos realizou, causando temor e admiração ao mesmo tempo.

Quem o conheceu na intimidade impressionou-se com aquele mortal, dotado de uma obstinação invejável, em busca de um ideal comum com sua gente: a justiça propriamente dita.

Foram aproximadamente quatro anos de reinado em mata fechada, período-referência em que muitas autoridades nada fizeram para atenuar o sofrimento do povo do campo, e mesmo assim relacionava-se com as mesmas, com fazendeiros e comerciantes na medida em que a regra era ditada. Quem veio para conversar, teve conversa. Quem foi para guerrear, teve guerra. Quem se chegou para traí-lo, conseguiu, pois o Gatilheiro era também um poço de ingenuidade, e tombou para sempre no ritmo do pipocar das armas da polícia militar.

Quintino foi e sempre será o que as pessoas quiserem achar dele, pois de tudo tinha um pouco, e pode ter sido um herói, bandoleiro, justiceiro, cangaceiro, gatilheiro, Robin Hood, Zumbi, Antonio Conselheiro, Lampião, um toco ou um cão, o diabo… Dependendo do ângulo ou dimensão que se queira dar ao seu papel na história, porém uma coisa deve ser dita sem pestanejar: Quintino foi uma das figuras mais importantes neste final de século e milênio, trazendo para discussão assuntos e temas outrora esquecidos ou engavetados pelas autoridades.

Descansa em paz, Gatilheiro!

Crônica de Arlindo Matos, escrita em setembro de 1997 para o jornal Informativo Popular de Capitão Poço, e replicada pelo jornal Folha do Gurupi, de Viseu, em novembro do mesmo ano.

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